Os outros

Ser tua era como escrever, na pele, o poema

era fazer do sangue a tinta mais densa

pautar sobre qualquer risco num valer à pena

e encarar o sortilégio dessa vida pretensa

Era andar pelo labirinto com um riso matreiro

passar pelos espelhos na nudez de toda alma

achar a saída e se perder por inteiro

gargalhar pela sombra no espaço da calma

Como se a traçar a linha tênue dos bastidores

e subir a cortina aos atores mais debochados

vis, pérfidos, insanos, maliciosos de amores

amantes, perfeitos, magníficos, escolados

Era saber demais de alguma coisa imensa

ter o poder nas mãos e fechá-la na linha

intuir os movimentos da música, fazer a dança

no silêncio dos segredos que a tudo aninha

Ser tua era velejar em águas de sabedoria

estar no espírito fluído de líquenes absortos

rimar o amor, a sanha, ter digital de poesia

fechada à tudo, como se tudo só fossem os outros.