Tetos de Papelão

Ouço a tristeza da noite

Silenciando a razão

Ouvindo os ruídos da chuva

Em tetos de papelão.

Escorrendo sangue em goteira

Se arrastando vida em pobreza

Com pés nus massacrados

em barro sujo e molhado

em uma casa sem chão.

Invade-me o frio sorrateiro

Limítrofe, melindroso, medíocre

Urrando o desespero

Em ventosos uivos e tristes

Matando o feto rebento

Pelas frestas abertas no vime

Da casa pura de João.

Um sobrado de pele sem alma

Um puxado de vida sem cor

Desliza sob a marquise

Onde caminham centenas

Onde morrem milhões

Pisoteiam, vomitam

Como se fossem vós bichos

Os bichos que são sois

Causam desconforto

Náusea fétida e dor.

São estes os filhos que choram

e imploram

De frio que esmolam

Os filhos que pedem

Um chão

Usam vestes rasgadas,

Olhos finos marcados

Da guerra enfadada

da guerra diária

De miséria e opressão.

Essa é a vida

Vivida e sofrida

Na casa

De tão poucos muitos

De papelão.