Eu canto o corpo elétrico,
as tropas daqueles a quem eu amo me cincham
como eu os cincho,
não me deixarão livre até que eu vá com eles,
responda a eles, e os descorrompa,
e os carregue ao máximo
com o carregamento da alma.

 
Foi posto em dúvida que os que corrompem
seus próprios corpos segregam a si mesmos?
E se aqueles que profanam os vivos forem tão maus
como os que profanam os mortos?
E se o corpo não fizer plenamente
tudo quanto a alma faz?
E se o corpo não for alma, que será a alma? 
 
                                                  
@@@ 
 
o amor de um corpo de homem ou de mulher
passa da conta,
o corpo mesmo passa da conta,
o do macho é perfeito e o da fêmea é perfeito.
A expressão do rosto passa da conta,
mas o modo de expressar-se de um homem bem acabado
não transparece apenas em seu rosto,
está também nos seus membros e juntas,
reside curiosamente nas juntas dos seus quadris
e dos pulsos,
está em seu modo de andar, no porte do seu pescoço,
flexão de tronco e joelhos, não se esconde com a roupa,
a doce qualidade que ele tem salta através do algodão
e da lã,
vê-lo passar ensina tanto quanto o melhor poema,
talvez mais,
e a gente para a fim de ver-lhe as costas,
o pescoço por trás e o lado do ombro.

 
O espreguiçar e a plenitude dos bebês,
os seios e a cabeça da mulher, as dobras do seu vestido, o jeito dela quando passamos na rua,
o contorno das formas para baixo,
o nadador despido na piscina, visto a cruzar
o verde transparente ou deitado de rosto para cima
e a rolar silencioso para cá e para lá na força da água,
a inclinação dos remadores para a frente e para trás
num barco a remo,
o cavaleiro na sela,
moças, mães, donas de casa, em todos os afazeres,
a turma de operários ao meio-dia sentada
com as marmitas abertas,
e as mulheres esperando,
a fêmea dando de mamar a uma criança,
a filha do fazendeiro no jardim ou no curral,
o rapazola capinando milho, o liteireiro guiando
seus seis cavalos no meio da multidão;
a luta dos lutadores, dois meninos aprendizes,
bem crescidos, prazenteiros, de bom íntimo, espontâneos, saindo com o pessoal de folga
ao cair da tarde depois do trabalho,
casaco e boné no chão,
o abraço de afeição e resistência,
golpe de cima e golpe de baixo, cabelo despenteado
tirando a visão dos olhos;
a marcha dos bombeiros nos uniformes próprios,
o jogo de músculos masculinos
através das calças justas e dos cinturões,
a lenta volta do incêndio, a pausa quando a sineta
toma a tocar de repente, e a escuta ao toque de alarma,
as atitudes mais várias, perfeitas, naturais,
a cabeça inclinada, o pescoço dobrado e a contagem;
disso é que eu gosto - e me entrego, passeio
com liberdade,
estou no colo da mãe com a criança pequena,
nado com os nadadores, luto com os lutadores,
marcho em forma com os bombeiros, faço pausa, escuto, conto.

 
Eu conheci um homem, um fazendeiro comum,
pai de cinco filhos, e neles os pais de filhos,
e neles os pais de filhos.
Era um homem de esplêndido vigor, calma,
encanto de pessoa,
o formato da cabeça, o branco e o louro pálido
de seu cabelo e barba, a imponderável significação daqueles olhos negros,
sua riqueza e amplitude de maneiras,
isso eu costumava ir visitá-lo para ver,
ele era sábio também,
media seis pés de altura, contava mais de oitenta anos
de idade, seus filhos eram maciços, limpos, barbudos, faces curtidas, simpáticos,
eles e as filhas gostavam dele,
todos que o viam gostavam dele,
não gostavam dele por concessão,
gostavam com amor pela pessoa,
ele só bebia água, o sangue mostrando que era escarlate
sob a pele morena clara do rosto,
ele era um caçador e pescador constante,
manobrava seu próprio barco a vela,
possuía um bonito que um barqueiro
lhe dera de presente,
tinha armas leves de caça presenteadas por homens
e mulheres que o amavam,
quando saía com seus cinco filhos e muitos netos
para caçar ou pescar, a gente o destacava
como o mais belo e forte do seu grupo,
a gente gostaria de demorar mais e mais perto dele,
a gente gostaria de sentar-se no barco ao lado dele
de modo que ele e a gente pudesse sentir
o toque um do outro.

 
Já tenho percebido que estar com aqueles
de quem eu gosto é quanto basta,
parar em companhia com quem ficar ao cair da tardinha
é quanto basta,
estar cercado de carne bonita, curiosa, que respira
e que ri, é quanto basta;
passar no meio deles ou tocar em algum,
pousar meu braço sempre tão de leve
em torno do pescoço dele ou dela por um momento -
então, que será isso?
Eu não peço nenhuma outra delícia, nisso me banho
como num mar.

 
Existe no estar perto de homens e mulheres,
e no olhar para eles, e no contacto e odor deles,
algo que faz bem à alma;
à alma todas as coisas fazem bem,
mas isso faz um grande bem à alma.
                                       
(tradução de Geir Campos)
 
                                                 &&&

         Whitman,  Walt.  Folhas de Relva.  Seleção 
          e tradução de Geir Campos.  Ilustrações de 
          Darcy Penteado.  Ed. Civilização Brasileira. 
          Rio de Janeiro, 1964.   



Walt Whitman (EUA)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 29/10/2011
Código do texto: T3304548