De repente da sua jaula imunda e sonolenta
- a jaula dos escravos - como um relâmpago saltou
meio acordada sobre si mesma,
metendo os pés nas cinzas e molambos,
mãos apertando gargantas de reis.
 
 
Ò esperança e fé!
Ò doloroso fim de vidas de patriotas no exílio!
Ò tanto coração adoentado!
Voltai-vos para este dia e refazei-vos de novo!
E vós, assalariados para corromper o Povo - mentirosos,
atentai!
Não foi por incontáveis agonias, assassinatos,
luxúria,
pelos roubos da corte
em suas múltiplas formas mesquinhas

roendo na sua simplicidade os vencimentos dos pobres,
por tanta promessa e jura feita por lábios reais
e quebrada com risos pela quebra,
que uma vez no poder nem por tudo isso
ressoam os golpes
da vingança
ou as cabeças dos nobres rolam,

se o Povo desdenhava a atrocidade dos reis.
 
 
Mas a doçura da misericórdia fermentava destruição maior,
e os monarcas retomam assustados,
cada qual mais pomposo com seu séquito, carrasco, padre, coletor de impostos, soldado, jurista,
senhor de terras,
carcereiro, e parasita.
Ainda por trás de todo o roubo degradante -
ah, uma figura,
vaga como a noite, coberta infinitamente, cabeça e fronte e formas,
em dobras escarlates,

de quem a face e os olhos ninguém consegue ver,
apenas isso saindo das vestes, as vestes rubras
levantadas pelo braço,
um dedo torto a apontar para cima, qual se mostra
a cabeça
de uma víbora.
 
 
Enquanto isso cadáveres jazem em covas recém-abertas,
sangrentos corpos de jovens,
a corda da forca desce com peso, as balas dos príncipes
alçam voo, as criaturas do poder dão gargalhadas;
e todas essas coisas dão seus frutos, e eles são bons.
Esses corpos de jovens,
esses mártires pendentes das forcas, esses corações
varados de chumbo escuro,
frios e imóveis que embora pareçam,
revivem noutro lugar
com intocada vitalidade.
Vivem em outros jovens, ó reis!
Vivem em irmãos outra vez prontos a desafiar-vos:
foram purificados pela morte, ensinados e exaltados.


Não há cova de morto pela liberdade
que não germine em semente de liberdade,
por seu turno também a dar semente
que o vento leva à distância e replanta
e as chuvas e neves nutrem.
Nenhum espírito arrancado ao corpo
podem as armas dos tiranos deixar solto
que não se imponha invisível sobre a terra, aconselhando, segredando, prevenindo.
 
 
Outros de ti desesperem, Liberdade: não desespero de ti.
A casa está fechada, o mestre ausente?
Não obstante preparai-vos, não vos canseis de vigiar:
ele há de voltar logo, seus mensageiros vêm.
 

                                                                 (tradução de Geir Campos)

 
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         Whitman,  Walt.  Folhas de Relva.  Seleção 
          e tradução de Geir Campos.  Ilustrações de 
          Darcy Penteado.  Ed. Civilização Brasileira. 
          Rio de Janeiro, 1964.   



Walt Whitman (EUA)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 29/10/2011
Código do texto: T3305391