Na lama e na noite triste
     Aquele bêbado ri!
     Tu’alma velha onde existe?
     Quem se recorda de ti?       
 
     Por onde andam teus gemidos,
     Os teus noctâmbulos ais?
     Entre os bêbados perdidos
     Quem sabe do teu -- jamais?       
 
     Por que é que ficas à lua
     Contemplativo, a vagar?
     Onde a tua noiva nua
     Foi tão depressa a enterrar?       
 
     Que flores de graça doente
     Tua fronte vem florir
     Que ficas amargamente
     Bêbado, bêbado a rir?       
 
     Que vês tu nessas jornadas?
     Onde está o teu jardim
     E o teu palácio de fadas,
     Meu sonâmbulo arlequim?       
 
     De onde trazes essa bruma,
     Toda essa névoa glacial
     De flor de lânguida espuma,
     Regada de óleo mortal?       
 
     Que soluço extravagante,
     Que negro, soturno fel
     Põe no teu ser doudejante
     A confusão da Babel?       
 
     Ah! das lágrimas insanas
     Que ao vinho misturas bem,
     Que de visões sobre-humanas
     Tu'alma e teus olhos tem!       
 
     Boca abismada de vinho,
     Olhos de pranto a correr,
     Bendito seja o carinho
     Que já te faça morrer!       
 
     Sim! Bendita a cova estreita
     Mais larga que o mundo vão,
     Que possa conter direita
     A noite do teu caixão!

                               (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   

www.dominiopublico.gov.br


João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359744