Envelhecer 

    Flor de indolência, fina e melindrosa,
     Cativante sereia da esperança,
     Cedo tiveste a crença dolorosa
     De quanto a vida é velha e como cansa...
      
     Na lânguida, na morna morbideza
     Do teu amargo e triste celibato,
     Tu te fechaste para a Natureza
     Como a lua no célico recato.       
 
     No fundo delicado dos teus seios
     Foste esconder os sentimentos vagos,
     E todos os dolentes devaneios
     Das estrelas sonhando a flor dos lagos.       
 
     Todas as altas celas de ouro e prata
     De teu claustro de Virgem sem afeto
     Fecharam sobre tu'alma timorata
     Austeras portas, com fragor secreto.       
 
     No entanto, havia no teu corpo ondeante
     As delícias sutis de um céu fugace...
     E era talvez o encanto mais picante
     A graça aldeã do teu nariz rapace.       
 
     Teus olhos tinham certa magoa nobre
     E certo fundo de doirado abismo
     E a malícia que logo se descobre
     Em olhos de felino narcotismo.       
 
     Mas na boca trazias todo o oculto
     Toque sombrio de ironia grave...
     E como que as belezas do teu vulto
     Abriam asas peregrinas de ave.       
 
     Tinhas na boca esse elixir ardente
     Da volúpia mortal dos gozos e essa
     Chama de boca, feita unicamente
     Para no gozo envelhecer depressa.       
 
     E envelheceste tanto, muito cedo,
     Sumiu-se tão depressa o teu encanto,
     Foi tão falaz o sedutor segredo
     Do teu carnal e lânguido quebranto!       
 
     Envelheceste para os vãos idílios,
     Para os estranhos estremecimentos,
     Para os brilhos iriantes dos teus cílios
     E para os sepulcrais esquecimentos.       
 
     Envelheceste para os vãos amores,
     E para os olhos, para as mãos que abrias
     Como dois talismãs de brancas flores
     E de leves e doces harmonias...       
 
     Presa, sem ar, sem sol, crepusculada
     No celibato que não tem perfume
     De todo envelheceste abandonada,
     Já como um ser que não provoca ciúme.       
 
     Envelhecer é reduzir a vida
     A sentimentos de tristeza austera,
     Enclausurá-la numa grave ermida
     De luto e de silêncio sem quimera.       
 
     E envelhecer na juventude flórea,
     Do celibato emurchecido lírio
     E ficar sob os pálios da ilusória
     Melancolia, como a luz de um círio...       
 
     Envelhecer assim, virgem e forte,
     E cerrar contra o mundo a rósea porta
     Do Amor e apenas esperar a Morte,
     A alma já muda, há muito tempo morta.       
 
     Envelheces de tédio, de cansaço,
     D'ilusões e de cismas e de penes,
     Como envelhece no celeste espaço
     O turbilhão das estrelas serenas.       
 
     O Amor os corações fez interditos
     Ao teu magoado coração cativo
     E apagou-te os sublimes infinitos
     Do seu clarão fecundador e vivo.       
 
     Hoje envelheces na clausura imensa,
     Dentro de um sonho pálido feneces.
     Tua beleza veste névoa densa,
     Em surdinas e sombras envelheces.        
 
     De pranto e luar, num desolado misto,
     Cai a noite na tua puberdade
     E como a Rediviva do Imprevisto,
     Erras e sonhas pela Eternidade!

                                                                   (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   
www.dominiopublico.gov.br



João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359776