OFÍCIO

É do meu ofício encher copos que jamais tiveram fundo

Usar das palavras como flor e dor é do meu ofício

É das coisas minhas abrir portas para ermos cantos

Espaços sem sentido e que jamais terão encanto

Tento fazer a lua caber em sílabas de três letras

E o infinito parecer tão próximo e finito

Que caiba certinho numa gota de orvalho

Quarto aberto para campo de girassóis

Escrever nos limites do branco do papel

No entanto, não é do meu ofício ter limites

Não consigo ver as bordas ou as cercas a me tolher

A mim não me basta beijar e amar apenas as virgens castas

Quero amar todas as mulheres apesar dos seus amores

Como se tivessem de ser minhas antes de seguir seu caminho

Tento romper as trancas e as correntes

Tento manter-me coerente

Mas tudo que sinto é incontinência

Olhando esse mundo de frente

Seguindo a volúpia irrefreada dessa trilha

Mas é do meu ofício olhar todos os ângulos

Enxergar o insondável num grão de arroz

Não faço poesia apenas escrevo

Juntando palavras que queiram estar juntas

Pois poeta é aquele que se faz entender

E nada do que vivo me parece estar claro.