CARINHOSO

me faz bem ficar aqui

sobretudo cinza

encostadinho no batente da porta

a observar a escultura que seu silêncio faz.

o sarcasmo de seus olhos (o marasmo dos meus...)

o maldisfarçado acaso de certos gestos

seu mínimo dedilhando o ar.

me faz bem a frieza das rugas

de sua tez impassível.

sua barriga frugosa virando ventre balofo.

sua sombra sem textura flutuando

nos raios que rasgam as frestas da janela.

me faz bem imaginar sua estada

e partida; seu orgasmo e conhaque.

me faz bem que você vai falar

vai calar vai flanar ruminar;

virar-se de costas, esboçar um sorriso.

me faz bem ser assim. ser seu assim.

ser nada: apenas aprisionamento de homem.

(in, "hardrockcorenroll". SP: Scortecci, 1998, p. 51)