Quem sabe?

Quando fui lagarta, pisotearam-me incontáveis vezes.

Quando fui borboleta, atearam fogo no jardim.

Quando fui menina, trancaram-me num quarto escuro com ratos e demônios.

Quando fui mulher, arrancaram meu coração e o largaram em meio a multidão.

Quando fui pássaro, esqueceram-me numa pequena gaiola. Tive sede, tive fome.

Quando fui anjo, roubaram minhas asas e eu segui sozinha a longa estrada.

Senti saudade de casa e chamei seu nome.

Não sei se você me ouviu, mas eu chamei seu nome.

Hoje sou triste canção que acinzenta o céu cor-de-rosa.

Hoje sou tarde fria e chuvosa à espera da mesma coragem de outrora.

A vida passa devagar e pela vidraça embaçada vejo crianças correndo lá fora. E eu fico para trás por não ter ninguém que adentre meu mundo assombrado e livre-me das correntes que ferem meus pés cansados.

Então eu choro baixinho e mais uma vez chamo seu nome.

Mas são meus sonhos quem despertam e calados apenas me olham.

A solidão trinca a vidraça, talvez queira partir.

Quem sabe qualquer dia desses, o sol venha surgir?

Quem sabe qualquer dia desses, de minha vidraça quebrada...

Eu lhe veja em meu portão com flores azuis em suas mãos?

Quem sabe qualquer dia desses eu sinta pulsar outra vez o velho coração? Quem sabe?

Léia Carmona Torres
Enviado por Léia Carmona Torres em 11/11/2012
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