MALUQUICE DE UM DOIDIVANAS
A noite já ia bem avançada, iluminada por faróis celestes.
Navegando em “céu de brigadeiro” a musa dos boêmios
De cara prateada, ladeada de fulgurantes brilhantes se exibia.
Nas etéreas tudo se mostrava tranquilo e em paz
Na terra, porém, em algum lugar fervilhava a cabeça do poeta.
Sonhador e insone bardo, olhos em brasa, solitário vagava.
Desencontrado, o pensamento feito aguilhão de carreiro
Martelava-lhe o cérebro sem piedade, sem descanso.
E ele sonhava, ou melhor, delirava: febril delírio, onírico delírio.
Feito um doidivanas, buscava a perfeição de um ser ideal para amar.
Queria para si, esculpir a mulher amada, bela, sem defeitos.
Pensou em Dulcineia, a musa de Quixote, para sussurrar-lhe aos ouvidos
Sonhos maravilhosos, pensamentos loucos, desejos desvairados.
De Frineia, quis o amor malicioso que a homens endoidecera e inspirara;
Anelara também a pureza, e esta a encontrou em Maria:
Seria acaso Maria, a santa e Virgem pura, a Mãe do Senhor?
Para seu enlevo, para contemplar todos os dias, também sonhou
Ter a face sorridente, enigmática, indecifrável da bela Gioconda.
Daquela que encantara em séculos passados um libertino confesso;
Desejou a beleza, a formosura e o feitiço encantador de Du Barry.
De Madame Pompadour almejou também o encanto, a inteligência
Que pasmou, embriagou e arrastou à alcova a nobreza no passado.
Bardo, pobre bardo, lunático bardo, na busca enlouquecida
Esqueceu-se de descer das nuvens, de olhar sua realidade.
E ver que ao seu lado, amorosa, fiel estava a companheira de toda sua vida...
J.Mercês
24/12/2012