[Chove sobre os meus dias]

[Chove].

Vou à deriva nas águas

que escoam na cara barrenta

das minhas lembranças.

[Chove].

Onde está aquele envelope

de onde a minha mãe tirava a vida aos pedaços,

velhas cartas já rasgando nas dobras do papel,

um poema escrito pelo meu pai, letra desenhada, bela...

fragmentos de papéis escritos, a tinta já borrada,

e até uma enigmática foto rasgada...

Quem teria tentado o impossível ato

de rasgar lembranças amargas?

Ou teria ela mesma se rasgado, num rompante,

daquela fotografia? Eu lia nos olhos dela

que a fuga havia fracassado.

[Chove].

Num instante, eu, menino,

envelhecia, 20, 30, 50 anos ou mais

na trilha daquelas saudades

que insistiam em fazer parte de mim.

Até o Oitocentos se fazia presente

naqueles registros do envelope

quando surgia a foto do meu bisavô Brandão,

com aquela sua longa barba [branca?].

[Chove].

Eu, menino velho velho-mesmo,

vou fechar o envelope,

tomar uma pinga marelinha,

para conter este travo.

Agora, deu de chover teimosamente

sobre os meus dias...

É bom sentir saudades, é sim!

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[Desterro, 12 de janeiro de 2013]

Carlos Rodolfo Stopa
Enviado por Carlos Rodolfo Stopa em 12/01/2013
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