Paisagem do quadro na sala do Doutor Araújo
O Doutor Araújo era meu amigo há muitos anos.
Sua mulher o deixara, sem filhos, há seis anos, cansada da mesmice de seus gestos.
Desde então vestia-se de preto.
Chamou-me para ver o quadro novo que comprara para a sala.
Bebíamos conhaque deixando um intervalo de silêncio intercalar-nos.
A paisagem à minha frente arrastou-me para dentro do doutor Araújo.
Para a minha surpresa o meu amigo estava oco.
O amor acabara numa terça-feira à tarde, há seis anos.
Os sonhos se espatifaram pelo chão fazendo um estardalhaço danado.
Os cacos espalharam-se sob os móveis do quarto.
Parecem que lá jaziam há séculos perdidos.
O tempo teceu sua teia v a g a r o s a m e n t e pelas paredes.
Construindo um casulo ao redor dos pensamentos do doutor Araújo.
O coração faleceu às três e trinta de um pôr-de-sol lindo.
E o casulo aprisionou-lhe à saudade.
O tempo cerrou a vida dentro do casulo.
E uma tempestade de células mortas soterrou a saudade, o quarto e a casa.
A única esperança é que um arqueólogo encontre a borboleta dentro do casulo.