Paisagem do quadro na sala do Doutor Araújo

O Doutor Araújo era meu amigo há muitos anos.

Sua mulher o deixara, sem filhos, há seis anos, cansada da mesmice de seus gestos.

Desde então vestia-se de preto.

Chamou-me para ver o quadro novo que comprara para a sala.

Bebíamos conhaque deixando um intervalo de silêncio intercalar-nos.

A paisagem à minha frente arrastou-me para dentro do doutor Araújo.

Para a minha surpresa o meu amigo estava oco.

O amor acabara numa terça-feira à tarde, há seis anos.

Os sonhos se espatifaram pelo chão fazendo um estardalhaço danado.

Os cacos espalharam-se sob os móveis do quarto.

Parecem que lá jaziam há séculos perdidos.

O tempo teceu sua teia v a g a r o s a m e n t e pelas paredes.

Construindo um casulo ao redor dos pensamentos do doutor Araújo.

O coração faleceu às três e trinta de um pôr-de-sol lindo.

E o casulo aprisionou-lhe à saudade.

O tempo cerrou a vida dentro do casulo.

E uma tempestade de células mortas soterrou a saudade, o quarto e a casa.

A única esperança é que um arqueólogo encontre a borboleta dentro do casulo.

Sérgio Caldeira
Enviado por Sérgio Caldeira em 18/01/2013
Reeditado em 17/12/2013
Código do texto: T4092514
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