A dança do destino
E a porta continua entreaberta.
Mesmo depois de secar os olhos,
a sentença que ela menos queria
era ficar sujeita ao frio do tempo.
O gelado da espinha, o sinuar criogênico
que entrava pela fresta esquecida.
Eu disse que era preciso fechá-la.
As chaves coloridas foram trancadas num baú,
a madeira maciça que o revestia
fazia chorar, chorar só pra sentir o gosto do sal,
só pra sentir gosto de alguma coisa.
Desde muito não sentia gosto, só sentia frio.
Eu sempre disse que era melhor tê-la fechado.
As pessoas passavam gritando do lado de fora.
A porta continuava entreaberta,
ela continuava sentindo frio,
as pessoas passando, passando, dizendo absurdos em voz alta...
Ela continuava calada, os olhos pálidos, ouvindo o batimento surdo.
O espaço da porta permitia que ela visse o outro lado
mas a deixava presa dentro do seu próprio vácuo,
fazia ela admirar o todo o caos envidraçado do exterior,
fazia ela sentir o coração apertado de ver tanta injustiça.
Eu garanti a ela que era melhor ter fechado a porta.
E dia após dia,
frio após frio,
ela ouviu calada,
sofreu caída no esquecimento.
Arfou, respirou o mesmo ar, cedeu luz à própria sombra.
E tomou o escuro pra si...
Viveu mergulhada num sempre feito espaços desocupados
e mobília gasta.
Antes ela tivesse fechado a porta,
antes tivesse buscado as chaves no baú,
antes tivesse usado a luz que lhe restava para acender sua esperança.
Antes eu tivesse ignorado seus pedidos
e fechado a porta sobre os soluços de antes.
Antes tê-la trancado num universo particular
do que tê-la libertado num infinito de acasos.
Nem todo mundo é feito de aleatoriedade,
mas qualquer um sucumbe a falta de alternância.
Ela não se foi por falta de caminhos,
ela se foi por não tirar o destino pra dançar.