O DIÁLOGO DA VIDA COM A MORTE

é um velório.

atrás das faces contritas

atrás das cabeças pesadas

das janelas, do muro

atrás, bem atrás

bem antes daquela montanha

vejo urubus em voo

dentro da terra, a vida ferve

"é uma criança, teremos uma refeição

de carne fresca", diz um micróbio afoito.

"carne virgem, imaculada", urra outro.

"e foi um primo meu que enviou,"

completa uma bactéria letal.

"oba", comemoram

"será que vai sobrar algum?"

é a voz do urubu errante que soa como um trovão

"sempre sobra, nem que seja um tiquinho", atalha o outro.

mas um deles, o mais velho, assevera:

"esqueceu que eles sempre escondem nossa refeição

debaixo daquelas mesas de cimento?",

e gargalha, e ri, e dá um rasante pra perto de mim

que nada ouvi

mas considero, aqui, que muito comentam

e há muito espreitam

a criança que repousa ali,

banquete de uns

lamento de nós

todos