Onisciência anexa
Ele lia uma mensagem.
Era mensagem falada, texto lido.
Era tão gozado, fantasia desmedida.
Tudo era feito de meio-dia, tudo tão solar.
Enquanto lia, tudo se esvaía.
Vinham os montes correndo, ele lia.
Debruçavam as mães nos precipícios, os filhos chorando.
Era fim de tempo, era fim de campo.
E saíam as palavras. Tudo naturalmente estático.
As costas sangrando, tiros traçando, som de estilhaço.
E ele lia e lia.
Jovens arfando, velhos caindo.
Não parava, continuava lendo.
Descrevia as formas e esquecia os contornos.
Atirava a fonética, reforçava as pausas.
E as linhas iam e iam e iam... Era escrita dramática.
Entra melodia, entra fundo e ritmo.
As letras eram vermelhas. E ele lia, sem cessar.
Tudo tão sóbrio diante dos olhos, tudo tão denso entre as escápulas.
Todos sem norte. Todos sem caminho.
A métrica se agigantava, a batida firme rateando as paredes.
O chão tremendo, caras rasgadas.
Totalmente carne viva.
Ele avança, agredia a poesia.
Gritava. Conversava com com as profecias.
Uma horda de impossíveis atraída pelo cheiro de desespero.
Falava com Deuses e Orixás.
Cantava, esmurrando o ar.
Era o caos armado.
Ele lia, lia sem abalar a si.
Lia fazendo tremer quem via, ouvia.
Partia no vento o pó fino de cobrir a pele.
Sugava as palavras do papel.
Ia lendo, lendo e ia.
Um mundo externo virando-se no leito.
Era gente desistindo.
Gente fazendo de leito o chão que lhes abrigava.
Parou, fez o silêncio pairar.
Meio segundo de vazio estelar, barulho de respiração.
Rompem as palmas, cortam em uníssono os assobios.
Fecham-se as cortinas, finda-se o ato.
Rasga o texto e abraça os caídos, que se recompunham, manchando a blusa com maquiagem.
Fim de ato.