UMA MANHÃ, LITERATURA E O FIM DO MUNDO  


 

O verso de saideira
Contempla um falso céu amarelo
E trinados de bem-te-vis...
A madrugada passara,
Viva, clara.
Amanhecia.

Bom-dia!
Agradeci, de pleno coração.

Retomei meu primeiro sono
Como se fora meu verso primeiro,
Deitada de lado, ao reverso,
Mas agora, então, mais feliz.

No ar, palavras e histórias,
Centelhas sonoras mágicas!
O esmeril do afiador de facas,
O jornal atirado no jardim.
Burros zurram,
Galinhas cacarejam,
Cães latem para aquecer a garganta...
Unem-se num concerto matinal
Com aves da estação e em extinção,
Com coisas que já não são.

Fazem literatura?
Talvez.
Não pode ser apenas mais uma manhã,
Esta,
E animais em seu cotidiano acordar
Enquanto eu me espreguiço, com tédio,
Os olhos melados nas páginas de um livro,
A boca roendo uma maçã,
Os bichos, as árvores,
Os cheiros, os sabores,
As águas...
Águas doces e salgadas,
Vindas de todos os confins
E de ti e de mim...
Arrepios.
São versos, mesmo que não cheguem a poema.
Há literatura na casa de marimbondos
Há anos naquela ameixeira,
A mesma que atrai morcegos quando dá frutos.
Analogias?
Muitas para se viver.


Admirável e difícil a existência.
A morte dissolve tudo.
Água sanitária sobre o encardido.
O caos é trivialidade.
O apocalipse é imperante.
Há um dilúvio sobre e entre nós.

Preparação?
Ramos de oliveira?

Acta ex fabula.

No tablado descorado o salto agulha
.



 



"Acta ex fabula", expressão latina que significa "acabou a farsa", "fecha-se a cena".

Imagem: colagem de KML, com base em "Ensaio",  de F. Borgerth.
 

KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 11/07/2013
Reeditado em 23/01/2014
Código do texto: T4382596
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