POESIA PARA UMA PEDRA


Sei que não falas a minha língua e nem eu entendo em qual idioma me desprezas. 
Mas quem dera, ouvisses-me, compreendendo-me!


Quem dera que, mesmo calados, entendesses que tenho eu muito mais a dar-te que tu a mim!

Quem dera o nefasto de teus longos braços, que hoje me alcançam e me destroçam, sucumbisse, à luz do entendimento!

Sei que a vida é perda, o tempo todo. Aprendi isto contigo e aprendi cedo, mas quem dera, o olhar que me negas ao menos te visse a ti, por dentro, e te cegasse das tuas monstruosidades!

Sei que me poupaste ao acaso, e só ao acaso devo o que me resta de vida inocente, mas quem dera fosse minha a vida a salvar-te da tua!

Quem dera descesses à minha trincheira, que hoje me obrigas a cavar com as minhas próprias mãos rubras de sangue, e visses, daqui de baixo, o mesmo céu azul que eu via, antes do teu sobrevoo!

Quem sabe aprenderías a minha língua e eu a tua, e aprendendo-a, te ensinaria que existem outras coisas a se fazer na vida, além de fechar caminhos.

Quem sabe me ensinarías a tecnologia com que fabricas as tuas bombas e eu, aprendendo-a, transformaria em saudáveis as tuas veias podres, e te daria século e meio de novas possibilidades.

Quem sabe converteríamos juntos a pedra que és, em água límpida, e irrigaríamos outros áridos solos. Quem sabe daríamos boas sementes.

Quem sabe houvesse tempo de não permitir-me crescer assim, tão parecida contigo.
 

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Créditos da foto para Reza Deghati, fotógrafo da National Geographic – em 2004

A menina é uma criança afegã, sobrevivente de uma zona tribal pashtun.



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