QUE ME CHORES

Espero que me chores, pura e simplesmente, que me chores... Que derrames por mim todas - e as tolas - lágrimas que por ti, um dia, fiz dos olhos escorrerem.

Quantas ruas deixei de cruzar, quantos passos ousei-me recuar, quantas vidas terei de deixar para que te esqueças? Não me venha com mesquinhices, nem no nível mais singelo... Se sentisses falta - não mintas para mim -, procuraria-me. Cale-te, ingênua... Engula teu choro estúpido e não clame saudade. Não, não a mim, não de mim. Sou lúcido e sinto a vida como uma partida, daquelas que toda matéria orgânica um dia encontrará.

Dessas ruas que passei, nem mesmo a Rua de Todos os Santos ousou atender-me. E não eram tantas assim minhas preces: que te esqueças, oras... Mas santo nenhum faz milagre, assim como amor nenhum traz paz.

Aqui, perto de tudo e no caminho para o nada, a vida torna-se meramente cotidiana. Quantas vezes dissestes 'bom dia' sem que seja por retribuição? Mas não te sintas mal, és só mais uma nesse mar de almas que seguem o fluxo para manter o padrão da indiferença. Pois bem, serei indiferente...

Sinto-me tão compreensível quanto uma fera, que não se controla e nem se entende; tão quieto à vida, que é dinamicamente repetitiva. Pego um lápis e uma saco de pão para escrever, feito daqueles papeis grossos que me servem como rascunho, e lembro de que ainda não os comprei pela manhã de hoje...

Sento-me à poltrona da sala de estar, vejo a vida colocar pedras na minha estrada de terra; são tantas, Deus meu, tantas... Talvez sejam para assentá-las ou só seja algo temporário... Não, obviamente que não. Todas estas pedras, todas essas tristezas são quietas e grandes e muitas. Talvez, a sorte seja vista como azar: como pode o homem ser feliz com o sofrer? Carrego no colo as dores da humanidade e vejo a todos um mesmo final, um mesmo desfecho tal qual foi o de Seu João da padaria Três Irmãs, para quem devia alguns reais por conta de uns cigarros e que morreu hoje pela manhã por ganância.