Catarro
De tempos em tempos, ele escorrega, invadindo cada célula… lentamente… tomando os espaços mais mínimos. Ele não devora, nem traga, nem consome, sua existência recobre as paredes, encarde o chão, embolora os cantos do teto e empesteia o ar. Seus passos são inaudíveis, mesmo que sua opulenta presença faça estremecer o chão.
Um monstro, um infeliz monstro cinzento que se arrasta miserável e incontrolavelmente sujando o carpete, espalhando um rastro de asco e seu bafo quente e opressor.
Seus olhos não brilham, sua presença não violenta, nem sequer é qualquer gênero de dor, sua massa escura e putreia apenas ocupa o maior dos espaços, inchando e exalando-se pela sala, pelos quartos, pela cozinha, tornando o brilho opaco.
Bicho intransponível e impossível de excretar pelos ralos já entupidos.
Sua presença sufoca, satura, inquieta.
É o maldito muco que frusta a respiração. O maldito vazio que se alastra silencioso e decadente por cada vão de vigor, amolecendo, e desintegrando cada querer, cada vontade, cada desejo…
E o que resta no pó é a eterna e lúcida vontade de ter qualquer vontade, que se diluirá na gosma a qualquer segundo.