Chamado selvagem (O outro lado)

Acordo de noite ao som da chuva

Um choro manso que escorre pelas janelas

Em um longo lamento que emana em sussurros nos parapeitos

Pequenas vozes que morrem e ecoam em si mesmas

Pequenos silêncios e barulhos que definham dentro de mim

A falta que faz

Quando uma vida acaba e outra não começa no lugar

Então tudo vem a tona, a memória explode

O sangue ferve, borbulha e transborda

Sinto um ardor inexplicável

Uma chama que agoniza dentro de mim tentando crescer

Ou um lobo querendo sair rasgando a minha pele

A sensação de ser corroído por dentro

Como buracos de bala cravados no peito

Da arma mais cruel e perversa

Quase sinto o cheiro da pólvora

Enquanto vejo a mim mesmo no reflexo molhado da janela

Tenho um sorriso no rosto, algo indecifrável

De um lado uma risada de escarnio,

do outro uma expressão de dor

Não me reconheço mais

Na escuridão do quarto eu me perco de mim

Não sei se fujo ou se corro atrás, não sei se caço ou sou caçado

Meu outro lado me domina e me consome

E eu me resigno em silêncio, deixo-me levar pelo instinto

Vou em direção aos que me observam calados no escuro

Parou de chover

A mata me chama

Não enxergo mais o caminho

Apenas sigo em frente

A procura de mim mesmo