Meu filho não deu em nada
o pai quase todo dia se lamentava:
meu filho não prestou para nada
não prestou para futebol judô coisas de macho
não prestou para advogado médico engenheiro administrador
– para nada
nem para casar com moça rica
nem para arrumar boca na política
meu filho é um fracassado – dizia
trabalha numa loja onde só vão vagabundos e maconheiros
para beber fumar e conversar borracha
ler poesias contos peças de teatro
– essa merda toda
que não leva a lugar nenhum
vendem lá discos de vinil
(onde já se viu!)
livros estranhos esculturas enfeites com penas
– coisas de boiola
e por trás do balcão a maldita erva
tenho certeza
e são todos cheios de tatuagens
dos pés à cabeça
meu filho um dia me mostrou as dele:
erva do diabo dragão calango águia
coisa horrível
meu filho não deu em nada
– NADA
essa era a ladainha do pai para os amigos da fábrica de parafusos e roscas
onde ele era diretor financeiro
e todos concordavam:
não deu em nada mesmo – diziam
mas o filho não pensava assim
esse nada
para ele
era tudo que ele sempre quis ser
o pai não sabia
mas ele não fumava maconha
nem cigarro careta
só bebia três taças de vinho por final de semana
e trabalhava muito naquilo que amava:
livros poesias contos peças de teatro esculturas enfeites
tinha uma namorada
e dinheiro suficiente para comprar uma casa do jeitinho que eles queriam
e para a viagem que planejavam
(talvez sem volta):
Amsterdam...
não dar em nada é só uma opinião
uma visão
um ponto de vista
– só
para o filho
esse
nada
era
tudo
que
ele
sempre
quis
ser