Um Pequeno Poema
Deus fez um pequeno poema quando a gente se conheceu.
Não o mediu em estrofes, mas em metros:
tantos quantos houvesse
em uma volta e meia
e uma meia-volta
(ou assim me pareceu).
Não se ocupou de rigor formal:
quais e quantas sílabas
caberiam nos olhares, afinal?
Quantas regras não havia
ao lhe ver primeiro as costas?
Por onde a métrica corria
entre nossas vontades opostas?
Até hoje, Lhe agradeço
o desapego aos fios narrativos:
meus pés pediam a casa;
seu repouso era um trajeto interrompido
(só hoje vejo
o humor, tecido à ironia,
de ter sido semeado o desejo
onde ninguém fez o que queria).
Na fartura de elementos fantásticos,
o escuro dos seus olhos esverdeou o dourado da tarde,
o tímido se vestiu de ávido,
o acaso virou ao avesso, seu engenho desnudo.
E de tudo fez-se um todo cadenciado,
improvável e melodioso,
na releitura prazeroso
e por ela renovado.
Outras coisas queria lhe falar noutros poemas,
porém este me escolheu -
tal qual escolhidos fomos para tema
de um pequeno poema de Deus.