Desventuras de um grão de pó
Vamos chamá-lo de “Creto”
Este nosso velho amigo
Que rola e corre perigo
Que ao vento fez previsões
Leiam bem nas entrelinhas
Tereis vida igual às minhas
Junto a mais de seis bilhões.
Permitam-me descrevê-lo:
Grão de pó, magro, esquisito
Não é feio, nem bonito
Às intempéries resiste
Pula, cai, vira cambota
A maioria nem nota
Mas na verdade ele existe.
Diferente de outros grãos
Este grãozinho se rala
Mas pouca coisa lhe abala
Não pensa, nem filosofa
Nem é dono da verdade
Outra é sua realidade
Se ficar na poeira, mofa.
Vejam só que contrassenso
Um certo amigo de “Creto”
Tinha o desejo secreto
De talvez tornar-se gente
Pois pensava que os humanos
Fossem bem menos insanos
Do que eles são realmente.
Rolando por este mundo
Lá se vai pobre coitado
Às vezes é pisoteado
Corre então muda de rota
Vira poeira de cidade
Sem brilho, só humildade
Virtude que ninguém nota.
Nada sabe, pouco faz
Quando em vez se desespera
Vira bicho, vira fera
Fica triste, anda só
Dorme em monte de rejeito
Mas quase não tem defeito
Porque é só um grão de pó
Meu verso não é de “Creto”
Só retrata um grão pequeno
Que rola o mundo terreno
Nesta vida, neste plano
Quem sabe com sua ajuda
Sua triste sina muda
Se transforma em ser humano.
Aos homens chamo atenção
A todo grão só alerto
Bobo da corte é esperto
Doutor da lei também erra
Previsão se cumprirá
Pois ninguém escapará
Todos serão pó da terra!