A Velha do Saco

Luciana Carrero

Quem andará com ela nas ruas de Alzheimer

na esquecida pequenez de humana demência?

Outra infeliz parceira à sua imagem e semelhança?

A inocência dos tempos em que foi criança

bailando despedaçada em fragmentadas memórias

de menina que sonhava com a boneca que fala

E a sorte lhe trouxe uma boneca de trapos

que ela chamava Princesa em seu mundo infantil

e foi levada na enchente numa noite de abril?

A maturidade da miséria vem sem ser pressentida

E só é percebida no momento súbito do baque

quando cai podre na terra a fruta solta do galho

A velha obsoleta na sociedade caminha trôpega na tarde

procurando cacos de poesia em vidros quebrados

juntando garrafas pet para criar a arte dos desgraçados

uma arte que nunca jamais será completada nunca

por que depois de catar ela joga sempre fora as garrafas

O sol bate no rosto e queima os olhos de catarata

Ela pensa que o astro é uma lata vazia de goiabada

e quer colocar o vazio recipiente de folha de flandres

no saco mulambento do seu museu de inutilidades

Quem andará com ela na caminhada dos pesadelos

dormindo com ratos num cano de esgoto imundo

não muito longe do capitalismo que brilha nos vidros

iluminados dos itaús e santanders bem posicionados?

Talvez o Diabo esteja com ela, pesaroso e penalizado

para levá-la piedoso para o conforto do seu bom inferno

que é bem melhor, quem sabe, que os infernos daqui –

quando o último sopro de vida abandoná-la na madrugada!