MADRUGADA
MADRUGADA
Sobre os telhados da cidade
Que ainda dorme,
Desmaia a lua cansada;
Aqui, ali e mais além,
Latem cães, rafeiros, de guarda,
Ninguém sabe quantos,
Nem a idade que eles tem;
E um galo solitário e sonhador
Canta
Canta a dor,
De perder a madrugada.
O jornaleiro vai empurrando o jornal
Sob as portas dos assinantes,
Alheio às notícias que carrega em seu bornal;
Para ler más notícias?
A ele já lhe bastam suas mágoas
Tão iguais, hoje, como antes.
Pelas mesmas ruas da cidade
Passam outros honrados trabalhadores,
Uns, sonâmbulos, outros, de barriga vazia,
E ainda assim, um que outro assobia,
Talvez para espantar o medo
Ou disfarçar os seus dissabores.
Não há como não sentir
Certa nostalgia
Dos tempos de algum dia,
Em que o pão e o leite
À porta se deixava
De madrugada,
E ninguém mexia
Ninguém roubava.
Hoje que desilusão,
Que triste condição
Que nada justifica...
Somos prisioneiros na própria casa,
Tudo virou uma futrica.
Mas não falemos de tristezas;
Entretanto, uma coisa eu temo,
É que pelo andar da carruagem
Possa tecê-las o demo;
E no meio de tanta voragem
Possamos chegar à derrocada:
De um dia, ainda haver só noite,
E acabe a madrugada.
Eduardo de Almeida Farias