ANTEVÉSPERA
Todo português tem Plasil nas veias
e reação extrapiramidal,
essa vontade incontrolável de fugir sabe-se lá do que
(talvez de si próprio),
de correr sabe-se lá pra onde
(em direção ao mar talvez),
de romper com o peito as paredes e sumir no mundo.
Eu nunca passei além do Bojador,
eu nasci além do Bojador,
nasci além da dor,
aqui enxertado e repartido.
Eles não vieram fazer história,
não vieram criar família,
nem construir castelos.
Talvez nem soubessem por que vinham,
mas isto não tem mais tanta importância.
Não aprendi a navegar,
aprendi a não vagar,
a gingar em todos os sentidos,
fincando raízes no ar,
como mangue, como misto de sangue.
Tenho inquietações continentais e sentimentos peninsulares,
moléstias tropicais e tudo mais que odiares.
Ando, assim, sem muita história ou relato,
sem velho retrato, sem muito recato.
Calado, deixo de falar outro tanto.
Talvez o mudo canto deste sangue meio banto.
Nada conquistei, mas também não me rendi.
Vasculhei entre sombras, na penumbra
tateei para além da mítica caverna.
Sondei cada porta
(por onde tudo passa)
e cada janela
(por onde tudo se espera).
Trago comigo pedaços de passado
e poemas de antevéspera.