os escafandristas pt 2
enfim, sozinho
sugado e absolvido pelas trevas de um quarto mais escuro que o preto
inerte, profundamente inerte, drogado, tragado e entregue aos confins desta casca oca
sim, uma casca, uma casca oca, protetora
onde não há velórios, cartórios, nem tiros de metralhadora,
comícios, parafernálias ou ruídos bate-estacas de balada
nunca li, não tenho raiva de quem leu e jamais lerei lusíadas
sou um ciclope budista, recluso e oculto na maldita ilha de ítaca
essa é minha vida, querida
queria ser artista, astronauta, alpinista
um saltimbanco submerso em mentiras
conduzir submarinos e participar de eternas orgias com as incríveis esposas dos honestos escafandristas
o que sou?
sou pregos na mãos de deus
sou um triste feto, semi-evoluído, desprovido de afeto
sou o limo encrostado nas latrinas da crosta terrestre
aquele peixinho que come os esmigalhados restos de comida dos peixes maiores
o eco ressoado de um carrasco em marasmo
um impassível cloroplasto
sou o capitalista que derrubará tua casa
uma estrada esquecida
ratos expelidos de boeiros como fênix ressurgindo de salgueiros
quiçá marinheiro, padroeiro e arquiteto de banheiro
o divino alfa e ômega
sou aquele que te cola na tua orelha e sussurra de mansinho
"vem cá, minha nêga..."