os escafandristas pt 2

enfim, sozinho

sugado e absolvido pelas trevas de um quarto mais escuro que o preto

inerte, profundamente inerte, drogado, tragado e entregue aos confins desta casca oca

sim, uma casca, uma casca oca, protetora

onde não há velórios, cartórios, nem tiros de metralhadora,

comícios, parafernálias ou ruídos bate-estacas de balada

nunca li, não tenho raiva de quem leu e jamais lerei lusíadas

sou um ciclope budista, recluso e oculto na maldita ilha de ítaca

essa é minha vida, querida

queria ser artista, astronauta, alpinista

um saltimbanco submerso em mentiras

conduzir submarinos e participar de eternas orgias com as incríveis esposas dos honestos escafandristas

o que sou?

sou pregos na mãos de deus

sou um triste feto, semi-evoluído, desprovido de afeto

sou o limo encrostado nas latrinas da crosta terrestre

aquele peixinho que come os esmigalhados restos de comida dos peixes maiores

o eco ressoado de um carrasco em marasmo

um impassível cloroplasto

sou o capitalista que derrubará tua casa

uma estrada esquecida

ratos expelidos de boeiros como fênix ressurgindo de salgueiros

quiçá marinheiro, padroeiro e arquiteto de banheiro

o divino alfa e ômega

sou aquele que te cola na tua orelha e sussurra de mansinho

"vem cá, minha nêga..."

cristiano rufino
Enviado por cristiano rufino em 23/08/2014
Reeditado em 23/08/2014
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