BOVARISTA
Êta, alma atrevida!
Tu que habitas entre ossos
de um esqueleto disforme
por anomalias congênitas
e fraturas mal cicatrizadas,
ainda te arrojas em grandes planos,
elevados demais para ti.
Machuca a ti mesmo
e fazes sofrer a carne que te cobre.
Esqueces que fostes menina,
que te rendias fascinada
à menor forma, cor e cheiro,
ao teu primeiro brinquedo,
ao teu primeiro chiclete,
a sorrisos amigos,
a olhares que permaneceram (ainda que efêmeros).
Simplicidade e pureza são tesouros,
roubados não mais se repõem.
Pois cala e aquieta,
deita ao lixo teu bovarismo,
não te tenhas acima da conta,
além do que és, do que te é devido.
Ainda que não durmas hoje ou amanhã,
descansarás com o teu bocado
com a parte que te cabe. E vive.
Se não consegues por limites à porção dos teus desejos,
ainda assim,
não delires para além da tua febre.