Das faltas e não-faltas

E em cismar sozinho a noite, nas coisas que faltam cá, tal qual o poeta a escrever, narro as faltas e exageros, as ausências, os costumes, as redundâncias:

Não me falta noite escura pra admirar o luar; noite que passa a bola a outra que por sua vez carrega a lua, me deixando sem luar. Não me faltam sorvetes e gelados, pra fazer inveja ao sol, como não faltam agasalhos pra invejar a pobre chuva. Não me faltam vidas vindo a vida, tendo o choro ouvido depois do grito de dor ao dilatar a bacia da pobre mãe solteira que acaba de parir. Mas logo ali do outro lado, não faltam gritos de choro da pobre coitada que reconhece àquele que há 18 chorava depois do grito da dor da mãe sentir a bacia dilatada. É mais um corpo cuja identidade é reconhecida na rocha do necrotério.

Não me faltam prodígios brancos que não passam dos 10 e são providos de inteligência Einsteniana que em cujos boletins não faltam notas 11. Como também não faltam negros saindo de creches com a barriga grande e sem comida, de mãos dadas aos 4 irmãos, o catarro entre a narina e o lábio, e a inteligência tal qual filhote de rato.

Não me faltam varandas onde sentar-se e relaxar enquanto o sol se põe no meu mundo, popularmente chamado de “condomínio”, o qual a rua faz fronteira com uma das minhas não-faltas: chapas e lonas cobrindo o barraco onde a minha e a sua e a nossa família se hospeda: favela. Não me faltam pregos nem martelos nem pregos que recebam marteladas, nem martelos que possam bater em pregos, nem paredes aptas a receber pregos batidos por martelos. Não me faltam relógios e cucos e ampulhetas e memórias persistentes para serem pendurados, nem tampouco tempo de observar o tempo, ou ainda faltar tempo de ver o tempo que passou.

E não falta tempo de chegar atrasado e não bater um prego. Não falta tempo pro trabalho, pra o compro misso da noite nem pra próxima reunião assembleiana.

Não me faltam cartas no correio, escrita há dias e nem e-mail que há dias deviam ser respondidos. Não sinto a ausência de poetas, cronistas e escritistas... que fazem das letras palavras, das palavras poesia da poesia... um mundo de emoções e sentimentos e desejos e paixões e amores. Ausência não sinto de “cordialmente”, “ATT” “Ilmo”, como não sinto dos “vc’s”, “pq’s” blz’s” e afins nos chats da vida. Não me faltam papeis lápis e canetas pra usar como quiser, à media que não faltam promoções pra reensinar o “ASDF”, digo, o “ABC” ao cérebro.

Não me faltam concertos clássicos, Für Elise e a tal da nona para exaltar os ânimos almáticos. E no Clube, logo ali, não faltam e superabunda novinhas descendo, subindo, se doando e se aceitando... exaltando os ânimos almáticos ao som da Skol.

Não me faltam conselhos nem anticontraceptivos, nem abortos nem gravidez indesejada. Não me faltam carnavais, universidades e hospitais nem segurança (pá! Pá! Pá! – para minha segurança, a polícia matou mais um) ou se quer, corrupção (volto logo, leitor. Vou esvaziar a cueca). Saúde não falta nunca e... calma... eu consigo... mesmo deitado no corredor eu consigo... e em meus últimos suspiro... olho e vejo que sempre e houveram e não, faltas. E tu. Na vida que levas, o que (palavrão) te falta?

Lucas Mota, in “Das Faltas e Não faltas”