Metafísica
 
De cada vez que nos teus braços 
Por uns momentos morro, 
Nos abismos de mim o meu amor pede socorro 
Como se à força alguém lhe desatasse os laços. 
 
De cada vez apreendo 
Que fica em muito pouco, ou nada, aquele tanto 
Que o querer ter promete, enquanto 
Se não tendo. 
 
Desejar é que é ter! mas não nos basta. 
Sonhar é que é possuir sem tédio nem cansaços. 
Sei-o, mas só já morto nos teus braços. 
Sofre a carne de ter, ou de ser casta. 
 
Sobre o desejo farto, a alma se debruça, 
Contempla o nada a que o fartá-lo aponta. 
E atrás do mesmo nada eis que ela mesma, tonta, 
Vai, se a carne reacende a escaramuça. 
 
Entrar num corpo até onde se oculte 
O para Lá do corpo - eis o supremo sonho. 
De que desejos o componho, 
Se ei-lo se descompõe quando o desejo avulte? 
 
Sôfrega, a carne pede carne. 
Saciada, 
Pede, ela própria, o que jamais sacia. 
Para de novo se inflamar, é um dia. 
 
Para de novo desgostar, um nada. 
Ai, como não te amar e não te aborrecer, 
Carne de leite e rosas, - terra inglória 
Do longo prélio-entendimento sem vitória 
Que é carne e alma, ter-não ter?
 
José Régio