UM SEGREDO
humilde como um peregrino
trago os bolsos cheios de pedras
e os olhos rasos d'agua
saudosa demais
um tom abaixo do tom
em que sobrevive
a alma avessa ao bom senso
meto a mão no bolso e
aperto entre os dedos
os pequenos punhais
até cravar os gumes na palma
aí respiro e retomo o rumo de casa
esvazio os bolsos
ajo normalmente
molho as plantas
conto dinheiro
faço pratos atraentes
deito entre as cobertas
agradecida
à espera de um novo dia
e a dor passa
só tenho medo da próxima lua
da próxima chuva
da próxima música
da cor do carro a correr
e da cidade lá fora
de onde podes chegar a qualquer hora
só por isso
nunca descuido de deixar
uma ou outra pedrinha alojada
sob a janela
exatamente na fresta por onde entraria
a luz do luar...