SEM PATRIAS NA LINGUA

Onde assentar a pátria, no corpo ou na mente,

se os nossos mortos não tem os milênios

de uma civilização talhada na pedra

e banhada no coado sangue?

Se os nossos bárbaros, morrem

miúdos, irredentos, contemporaneamente.

Como se ir, e para onde, se as estradas

não vão ao passado remoto

e espremidas pelas cordilheiras,

afundam-se nos mangues, antes que no pleno mar?

Se o verbo nacional, que pretende adicionar,

distorce a auricular beatitude canônica,

da língua mãe de Camões?

Se a seiva da vida nos Trópicos, ainda melíflua

desde Alencar, está tão longe dos Pirineus?

Se a imaginação se expande e justifica-se,

para na busca do Bom Sauvage,

de novo, nos europeizar.

Se na selva verde e densa, a alma da pátria

aprofunda-se e nos infunde o medo

de vermos refletidos em nosso gen, o arremedo,

que nos faz assim sem eira,

bastardos, perdidos rastacueros, aborigenes,

sem sombra que nos refresque,

como nas margens do Sena, na relva.

Estamos vestidos em elegantes ternos Armani,

como antes, iam os mortos de sobrecasaca,

drumondianamente, passear num calor visceral.

Ricardo S. Reis

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 04/06/2007
Código do texto: T513554