O aspecto cortante das esquinas
O aspecto cortante das esquinas,
O ar metálico e frio das ruas
A ser o reflexo banal de luzes falsas
E o grito abafado de tantas aves sem ninho,
Entra por mim e corta-me da alma as esperanças.
Passo os dedos na cara e sinto áspera a barba que não fiz…
Não houve tempo…
E dantes sem haver tempo os meus dedo nos teus cabelos…
Partiu mais um comboio e vou queimando, impaciente, com mais um cigarro,
Tempo que não é meu.
Passam pessoas por mim a quem não se advinha mais historia
Do que terem um emprego…
A ideia de a olha-las me ver a mim também
Enche-me de uma obsessiva vontade de me agarrar á minha própria historia
É como uma sede de mim, sede de ser…
…E recordo os teus cabelos nos meus dedos e o cheiro da tua pele
Nas tardes onde mediamos o tempo com suspiros…
E é com a sombra triste dum suspiro melancólico que penso aqui nesta estação
Que o que sou hoje só me é suportável tendo a memoria do que fui, do que fomos…
Pára mais um comboio de travões ruidosos á minha frente
E a porta abre-se num som mecânico
E cruzam-se olhares que depois fogem uns dos outros entre malas
Sacos de viagem e a minha solidão.
Então num instante em que o ar entrou mais frio dentro e mim,
Reparo que uma mulher sai da segunda carruagem…
Tem os cabelos como os teus (os meus dedos [memoria])
A pele branca como a tua a encher o negro dum decote…
Quase me preparo para que acreditar que és tu mas não…
A leve esperança, que nem o chegou a ser, torna-se num desespero fundo e oco
E a palavra “Nunca” circula em todas as minhas veias.
Acontece as vezes quase acreditar que te vejo na rua
A tua memória recusa-se á morte
E parece ainda tão fresco aquela tarde de Outono
Em que a Morte pôs uma eternidade maior entre nós,
Parece ainda tão vivo, tão presente, tão terrivelmente real
E a palavra “Nunca” acumula-se-me em gritos que não sei dar…
Tiago Marcos