[Ressurreição]

[Memórias do chalé amarelo – Araguari-MG — porque o mundo não pede passagem, mas dá-se.]

Viajo em outubro... volto a minha terra.

Às margens da rodovia, a florada das laranjeiras

trescala um aroma que invade a estrada

e evoca a construção do meu mundo...

Sou ágil nessas tramas do tempo:

o pensamento passeia o meu espírito,

ressurgem as imagens, e de um salto,

caio no quintal do meu chalé amarelo!

Lá, a novidade do mundo anunciava-se

nos resíduos velhos de várias gerações:

um muro de taipa quebrado quase até o chão,

sapatos velhos semienterrados,

o sarilho de madeira lisa de tanto uso;

o balde de tirar água da profunda cisterna

com a penca de ferraduras presas na alça;

os restos de um quarador de roupas.

Sob as árvores, as crostas de lodo ressequido,

salpicadas de flores caídas da goiabeira,

contam histórias das águas passadas.

E a enxada sem cabo enterrada à porta da cozinha,

é apenas um rapapé ainda sem serventia —

o barro dos meus brinquedos, matéria essencial

da fecundação do quintal trincado da estiagem,

apenas ressurge com as águas do verão.

Enquanto o carro segue pela estrada de outubro,

o aroma da florada dos laranjais ressuma melancolias;

daquele quintal, os elementos da minha construção,

daquele barro, a argamassa original de meu ser.

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[Penas do Desterro, 09 de agosto de 1998]

Caderno 2, p.09

[Do meu livrinho “Arribadas, O Passo da Volta”, ilustrado por Paula Baggio]