Ciclo vicioso

encerras então, aqui, nossa história
banida a um canto qualquer da memória
de um tempo que mais prometeu vir
se nada além me é dado, senão pranto
permite deixar este grito, este canto:
“meu canto de morte, guerreiros, ouvi”
 
     aqui morro outra vez, de amor (que mais?)
     de um amor que pensei de largos quintais
     de frutas, de sombras, de brisa gentil
     tomou-me quando eu era quase semente
     sonhando crescer, ao solo inda rente
     sonho que só agora eu o sei infantil
 
eu não o queria, Deus sabe que não
mas um olhar, um sorriso, e meu coração
entre ingênuo e encantado, olhou para fora
e o tomou essa luz, envolvente, brilhante
reconhecendo em ti, d´outras vidas, a amante
que só agora reencontrara...  só agora
 
     debatí-me, recordo, em recados de mim
     de um amor que já vira, começo e fim
     dor que me tomaria em o vendo morrer
     por anos e anos construíra meu muro 
     fugindo e evitando este medo, um escuro
     a cobrir todo o corpo de uma dor de viver
 
doía que o amor - meu mestre, meu dono
reinava cansado no menosprezo, abandono
das gentes que o usam, mas não o querem
das gentes que cerram os olhos (por quê?)
e cegos, inconsequentes, começam a bater
e ao se ferirem, aos que as amam ferem
 
     mas vi em teu olhar, sorriso, palavras
     golpes no muro que aos poucos quebravas
     e eu me abri... me entreguei... te recebi
     antes o tivesses deixado inteiro
     respeitando o trabalho daquele "pedreiro"
     a me isolar do mundo e o mundo de mim
 
ferido de teus contos, fantasmas, dragões
tentei me por à frente de ferozes canhões
mas o amor que te dei não pareceu bastante
teu coração petrificado, sem coragem de ser
não se libertou no meu, disposto a embater
este frio, este nada...  que agora constante
 
     vezes muitas me colocaste à parede
     frente ao pelotão, esfomeado e com sede
     da diversão boba de ver lágrimas em mim
     cerrei olhos e sofri, a cada voz de comando:
     - FOGO!  ATIREM!  QUE MORRA O FERNANDO! 
     e eu morria a cada vez, embora fosse festim
 
e agora vais embora, levando o que é teu
só uma coisa de ti que deixas: sou eu
esquecido no caminho da vida que escolhes
mas fico de pé - mesmo fantasma, guerreiro
não esperando e esperando de corpo inteiro
mas defeso...   escondido de outras mortes
 
     e agora tu vais. talvez eu, se o tempo vencer
     vão-se o sonho, esperanças, desejos de ser
     sem ter sido, um sorriso que também se esvai
     ficam a dor, a saudade, lágrimas e um vazio
     enorme, profundo, escuro, árido...  e frio
     mas, como o amor, a esperança não vai
 
não a ti, mas à vida eu faço uma queixa:
- não brinques comigo, doravante me deixa
  aqui onde estou: doído, ferido, cansado
  deixa-me, não me enganes nunca mais
  não me mostres céus, vida, frutas... quintais
  se tocá-los sem tê-los for tudo que seja dado
 
     não estarei só, mesmo assim parecendo
     e, apesar de morto, continuarei vivendo
     ao lado da dor que achei não ser de mim -
     mas ei-la que chega, de um amor que tentei
     com todas as forças que nem tinha, tentei 
     mas ele não me quer...  seja, então, assim
 
ao menos agora eu te conheço inteira
serás, minha dor, eterna companheira
de uma vida que não muito posso prometer
e fecho meus versos na honra que imploro:
          “... Guerreiros, não coro
          do pranto que choro
          se a vida deploro
          também sei morrer ...”