Ventos da lembrança, mares da memória...

lembro-me do barulho da chaleira avisando que o café estava na mesa, do abraço de minha mãe nas noites de trovoada, das palavras de carinho ditas com o olhar.

Sinto saudades de acordar com o canto do galo,que parecia fazer uma serenata para mim.As borboletas que pousavam em minha janela, e o cheirinho de pão caseiro vindo da cozinha.

Havia dias em que o frio despertava a vontade de ficar mais um pouquinho embaixo das cobertas, a chuva caía lá fora e cachoeiras em gotas se formavam no telhado, impedindo eu e meus irmãos de brincarmos na rua. Uns com seus carrinhos, bola, e eu com minhas bonecas, lindas princesas e secretas confidentes.

Não era sempre em que eu permanecia em casa. Mesmo com trovões e frio, eu saia escondida e corria pela rua alagada, deitava em poças que pareciam pequenos lagos de água cristalina. Em poucos minutos, a menina bem vestida e sequinha, virava uma criança toda suja e molhada, com alegria no rosto e lama nos pés.

Também houve vezes em que eu ia passear em lugares cheios de árvores e inventar coisas que são possíveis para uma criança. Eu pulava, me pendurava, voava nas asas de um coqueiro e me balançava nos braços das mangueiras.

Nos dias ensolarados, eu chamava minhas irmãs, e íamos à Praia dos Sonhos, onde a água ondula em silêncio, a maresia corre numa brisa calma e os sonhos fluem em contato com a natureza. O hábito não desfazia nossos olhares de criança ao ver aquela imensa piscina de águas salgadas. Tínhamos vontade de contar os grãos de areia, esgotar as conchas existentes e fazer várias coisar que o pensar de uma criança pode querer. Assim aprendi a nadar, pulando e me banhando nas águas caiçaras.

Já com poucas energias, eu deitava nas pedras grandes e sentia o sopro do mar em meu rosto. Apreciava as gaivotas, que mais pareciam estrelas á luz do dia. Fechava os olhos, abria a mente e pensava com um imenso sorriso no rosto: "Isso tudo sempre vai ser meu!"

Depois de um cansativo dia, chegávamos em casa e eu ficava hipnotizada com o cheiro de comida inesquecível e inigualável que minha mãe fazia, coisas que hoje tenho apenas na vaga lembrança, nas lágrimas de saudade ao relembrar.Coisas simples, mas quando faltam fazem muita diferença.

Após o jantar nós nos reuníamos para assistir televisão. Eu abraçava a mamãe e ficava com um sentimento de paz, afinal, ela era a pessoa que eu mais amava nessa vida.Era uma pessoa boa, a mais sábia e era imortal.Sábia aos meus olhos, boa para todos e imortal em minha mente.

Nos dias atuais, o prazer de correr pela praia foi substituído por brinquedos eletrônicos.As árvores de minha infância foram derrubadas pelo grito de impiedade do bicho homem.Estes só existem no brilho de meus olhos ao recordar o passado.

Tudo isso se passou em Itanhaém,um lugar bom e calmo para morar, que se localiza no litoral de São Paulo.A cidade mudou, mas não perdeu sua graça.Em cada canto há uma emoção. E as lembranças? Ah! Estas estão guardadas a sete chaves, presentes em minha vida e marcadas em meu coração.

(Texto baseado na entrevista feita com Rosemeire Alexandre Trindade, de 35 anos)