CONFISSÃO
Noite sombria, mergulhada dentro do tempo,
não espera por ninguém, deslisa como um raio;
assusta como um trovão, tinge os meus olhos,
petrifica a solidão, desnuda-me o peito.
O meu delírio desce até os pés, calafrios,
tremores, sustos, surtos, febre, saliva em fios,
o vinho doce agora é amargo,
a solidão é uma cinza, um papel branco esquecido.
Meu coração visita o centro da terra, jaz no pó,
a alma não se anima, alastra-se no universo,
nada encontra, tudo ficou tão longe e tão perto,
minhas súplicas tornaram-se malditas, sou réu confesso.
Porque a minha voz fere, da minha boca sai espinhos,
peçonha mortífera, adormeci no desespero,
perdi o equilíbrio, abandonei os estribos,
torturei um corpo, espalhei o terror, meu átrio está frio.
Ajoelhado, toco o chão, rego o meu amor, imploro o retorno,
crucificado por cravos, vejo pulsar as veias no último desejo,
perdoar a minha carne, castigar a minha boca cheia de lodo,
pedir misericórdia ao corpo que cicatrizei, pedir compaixão.
Exaltei os instintos, fiz de cada um deles, flecha e veneno,
atirados sem misericórdia, no peito de quem mais amo,
na face que mais beijei, no ventre que mais me deleito,
feri, machuquei, ao entristece-la sem deixá-la se recompor.
Pedro Matos