pensamentos de um criado mudo
'bolhas vermelhas caem no copo branco em cima do criado mudo''
Não tem relógio nas paredes, sei das horas apenas quando o dia começa. Acho extremamente suntuoso!
Aprendi que o tempo passa quando a minha lateral rachou.
E não percebi quanto o tempo levou.
agora eu presto mais atenção
sei que é dezembro
e que de pouco me lembro
em certo tempo
frequentei um quarto
rubro e quente
noutro dia
pensando comigo:
sou meu único amigo.
desbravo suplício
quando nenhum
é meu serviço;
achei que todos eram um
- Não.
móveis, imóveis
cada um, cada um;
noutro tempo
acima de um chão
azul cinzento
fui sozinho, então
desprendendo...
vendo o tempo
que voa e vem com o vento
quando fica tudo cinza
quando caem em mim
cinzas, cinzas, cinzas
e dizem que ruim
é vida cinza
límbico
naquele chão fui, sozinho
mas eu fitava cada filete
daquele sol friozinho
então fui parar num quarto cômico
de sossego econômico
e conheci o lado B de um sonho
um ator e uns dois, chamados amor
e o tempo sumiu
aprendi que anoitecia
quando o papagaio dizia gol
mas quase toda hora
em cima de mim
só tocava rock & roll
em uma fase de som baixo
de Beatles para dançar
e criado mudo querer falar
as paredes sussurravam entre si
e quando o sol me cumprimentava
ela então se irritava
e o apagava
vim parar longe de lá
não sei onde é
chamo aqui de Cá
ao lado esquerdo, alguém
um homem que sempre diz
amém
então, amém, eu também
e me rasgo pensando nisso...
ouvindo de todos os lados
alguém falar, gritar além...
isso me incomoda!
a vida dos com vida que
estorva quem tem vida
irradiante e válida
a deixando ácida
e pálida...
minha área é árida
regida no amanhecer
quando penso
no ser
e se eu fosse ser
falaria bem
falaria mal
ou não falaria com ninguém?
eu pergunto ao companheiro
que me tem de travesseiro
se ser homem requer
ter mulher, coragem e dinheiro
assistindo...
sei, que sei
que é tudo miragem
todos semelhantes à mesma imagem
achando a vida uma viagem
que segue uma outra viagem...
- Não!
a vida é vista sem sentir
e sentida sem ser vista
viajada na patologia
da arroubada melancolia,
psicotrópica, hidropônica,
hipocondríaca
quando tremem as bases
mas entre errantes
parece já ser postulado
o fato efêmero
gêmico
agitando os pés
com pulmões plantados
no sussurro do desespero
que muitos chamam de dor
amor ou desamor
crítica deflagrada
surto surreal
alma extirpada
escuto duas, três
frases estapeadas na tez
do nonato ingrato
e o inibido sofrer
a mágoa veemente
escorre, escorre
e recorre à mim
copo, relógio e agenda
percorre
dizendo que se agride
para que aprenda
da comum calamidade
inerente do bom
cospe o sangue que guarda na boca
me devolve o copo
e se envolve com a tortura
que nada mais é
da alma desnuda, a ruptura
gritando o que esconde
quando diz que dói
e é assim que entendo
que amor corrói
dissimulo,
afinal...
criado mudo, é mudo