O Título Não É um Campo Obrigatório

Hoje eu sentei no carro

e não verbalizei uma palavra.

Eu não disse nada,

mas todos sabiam que algo estava errado.

Cansaço seria só outra desculpa fúnebre.

Hoje eu ansiei por chegar em casa,

pra poder escrever,

ler minhas cartas na mesa:

descobrir o que eu quero nos contar.

Hoje eu não coloquei música pra tocar,

porque quero descobrir que aguento

os vexames do meu silêncio.

Eu sempre tive muitos medos:

medo do escuro,

medo do terror,

medo de barata.

Cresci e descobri

que tenho medo do medo,

e que isso é ter medo de tudo.

Porque de alguma forma,

apesar de continuar viva,

sempre acho que um pedaço meu morreu

depois que acabei de sobreviver.

Eu sempre acho que,

além desse pedaço ter partido junto,

morri por completo.

Talvez não tenha sido dessa vez,

mas sempre acredito que não haverá uma próxima.

Sequer aguentaria não saber -

já existindo um milhão de enciclopédias que desconheço.

E eu ainda não fui pra lugar algum.

De tantos bons conselhos que dou,

conscientemente, não sigo o mais em comum.

Eu tenho tanto medo de me descobrir inferior,

muito pior, neutra...

Que esqueço que posso me descobrir até melhor,

e castro a vida.

Eu não quero mais castrá-la.

Que medo me dá

o que irão pensar,

fazer, falar.

Que medo me dá

o que eu mesma irei pensar.

Sempre acho que, se foram embora,

é por culpa toda minha -

um péssimo egocentrismo -,

e qual o problema se tiver sido?

Como se fosse ser sempre isso.

Existe um mutirão de coisas erradas em mim,

mas elas não me transformam num monstro.

Pergunto se o machucado

foi daquele tamanho mesmo,

ou se foi pequeno,

e doeu muito por ter baixa tolerância a dor.

Mas eu já aguentei tanto...

Aguento até o pavor

que é temer o temor,

acreditando ser tudo mera ilusão.

E as sombras viraram fantasmas na contramão.

Então, eu me encapsulo.

Não vai mais durar muito.

Amanhã eu vou acordar,

só pra noite contar pro mundo todo:

que eu consegui superar.