O Assassino

O frio me abraça com seus braços ambíguos,

O perfume da alma que ascende me cobra; indulgente,

Recobro a sanidade perdida - intencionalmente.

Aplaudo o espetáculo terminal de uma vida.

Sabia que já vivemos um outro final?

Você já foi muito feliz um dia...

Sem motivos extravagantes, você sorria!

E as lágrimas que vinham a cair, regavam o jardim.

Lágrimas multiformes; Sonhos que derretem enquanto dorme.

O olhar semicerrado confessa temores encravados na carne,

E em seu leito carmesim, se esvaece ao álgido pungente que arde

a decepção, por não poder apenas dois minutos retroceder.

Já resta apenas uma frugal cortesia de ar aos pulmões;

Te vejo, mas não me recordo de ti. Quem é você?

O sol mergulha no oceano, e sem reservas se esparge o anoitecer,

O epitáfio deixarei às rosas, e o discurso - famigerado - ao vento.

Espero que compreenda o porquê disso tudo,

Ainda que eu mesmo não consiga entender.

Resguardo a esperança àqueles que um dia irão ler,

Restos das cartas que queimei, as cartas que jamais escrevi.

Seus batimentos cardíacos já imprecisos e intensos,

A cada lenta batida me faz sentir o chão tremer.

Seu rosto, lívido, congela minh'alma e a faz estremecer;

O fim se aproxima, mas, não vejo anjos para te buscar.

Num espasmo súbito desprendo-me da arma do crime,

Aprecio a sinfonia do tilintar da lâmina ao encontrar o chão.

Rompe o silêncio uma fagulha de pensamento: Minhas mãos...

Estão sujas, como me sentarei a mesa para o jantar?

Esta noite não haverá ceia, senão, minha verve sobre a mesa.

Não haverão braços estendidos para me receber,

Nem canções torno à fogueira - minha divindade a se aquecer.

Apenas lágrimas multiformes a molhar meu féretro caiado.

O frio me aufere com seu toque entorpecente,

Restou-me um riso pífio escondido no rosto.

Ao meu reflexo no orvalho da selva de pedra e esgoto,

Registro uma última imagem... Inda um sorriso inerme.

Marcelo Maia
Enviado por Marcelo Maia em 04/07/2007
Reeditado em 01/04/2016
Código do texto: T551387
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