O Assassino
O frio me abraça com seus braços ambíguos,
O perfume da alma que ascende me cobra; indulgente,
Recobro a sanidade perdida - intencionalmente.
Aplaudo o espetáculo terminal de uma vida.
Sabia que já vivemos um outro final?
Você já foi muito feliz um dia...
Sem motivos extravagantes, você sorria!
E as lágrimas que vinham a cair, regavam o jardim.
Lágrimas multiformes; Sonhos que derretem enquanto dorme.
O olhar semicerrado confessa temores encravados na carne,
E em seu leito carmesim, se esvaece ao álgido pungente que arde
a decepção, por não poder apenas dois minutos retroceder.
Já resta apenas uma frugal cortesia de ar aos pulmões;
Te vejo, mas não me recordo de ti. Quem é você?
O sol mergulha no oceano, e sem reservas se esparge o anoitecer,
O epitáfio deixarei às rosas, e o discurso - famigerado - ao vento.
Espero que compreenda o porquê disso tudo,
Ainda que eu mesmo não consiga entender.
Resguardo a esperança àqueles que um dia irão ler,
Restos das cartas que queimei, as cartas que jamais escrevi.
Seus batimentos cardíacos já imprecisos e intensos,
A cada lenta batida me faz sentir o chão tremer.
Seu rosto, lívido, congela minh'alma e a faz estremecer;
O fim se aproxima, mas, não vejo anjos para te buscar.
Num espasmo súbito desprendo-me da arma do crime,
Aprecio a sinfonia do tilintar da lâmina ao encontrar o chão.
Rompe o silêncio uma fagulha de pensamento: Minhas mãos...
Estão sujas, como me sentarei a mesa para o jantar?
Esta noite não haverá ceia, senão, minha verve sobre a mesa.
Não haverão braços estendidos para me receber,
Nem canções torno à fogueira - minha divindade a se aquecer.
Apenas lágrimas multiformes a molhar meu féretro caiado.
O frio me aufere com seu toque entorpecente,
Restou-me um riso pífio escondido no rosto.
Ao meu reflexo no orvalho da selva de pedra e esgoto,
Registro uma última imagem... Inda um sorriso inerme.