O tempo e as águas da vida

dema

Inda me lembro vê-lo a transbordar,

o vento levantando as águas e jogando-as contra a orla,

no simultâneo balanço das palmeiras marginais

então sacudidas de sua inércia do meio dia;

o mergulho das aves no artístico pega-pega,

garças e tuiuiús à espera do lanche, numa perna só;

as capivaras na poda da grama de beira

e, no meio das águas, mais vida: cágados, piranhas, pacus;

o arranque veloz dos predadores pra engolir as presas,

e, destas, os extensos voos aéreos de escape;

o sol espelhado na areia prata de fundo,

com reflexos inconfundíveis de gangorra;

o jacaré sonolento na rasura, poleiro do pássaro preto.

Era vida, era vento, era sol, era chuva, era água, era festa.

Mas a roda do tempo escasseou as chuvas,

minguou as águas e, aos poucos, foi drenando a vida:

levou a força dos movimentos, aprisionou o vento;

varreu a juventude, os sonhos, as nuvens,

os amores, as aves, as sereias.

Devagarinho foi secando a esperança,

como se luz opaca de estrelas no claro da manhã.

Lá se vão as águas, vai-se a vida.

O tempo drena-me as águas,

expõe-me ao escaldante sol das três,

racha o solo fundo onde vivera o lago.

O tempo drena-me a vida.

demaisilva
Enviado por demaisilva em 19/05/2016
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