Solilóquio de Uma Partida

Fui embora depois de duas horas sentado perto do canto da parede, com os braços envoltos nas duas pernas, a respiração estacata e a visão turva de água, balbuciando um solilóquio intraquilo e desconhecido sobre a partida de um sentimento. Não, eu não estava naquele estado por causa de algo que havia acontecido comigo... sim, algo aconteceu certamente... mas algo que esvaziou alguma parte em mim - é isso: um sentimento que partiu, por isso eu estava triste. Não conseguia mais sentir aquilo, e me sofreu muito, porque queria de volta. Me pertencia, fora criado por mim e guardado por um tempo até que foi embora, e o ir embora não trouxe nada de novo (acho que eu nem quis, porém não foi esse o motivo de não ascender em mim algo de novo). Se era um sentimento dos bons, eu não sei dizer, não consigo, não consigo nem nomeá-lo, mas esteve neste corpo. Será que dei um prazo inconsciente e ele obedeceu e eu nem percebi? Não, acho que não, essas coisas não devem existir. Ou existem? Eu perto do canto da parede, estava mesmo triste ou era outro sentimento, parecido com tristeza? Acho que era tristeza mesmo. O sentimento que foi embora... bem... parecia próximo do que costumamos chamar de amor por outra pessoa, mesmo tendo se transformado durante esse tempo que esteve em mim. Se transformado pra nem sei o quê. Sei que ele foi embora. Respeitei a tristeza com a qual tive que lidar - e lidei por duas horas, sentado perto do canto da parede, com os braços envoltos nas duas pernas, a respiração estacata (e um pouco muda), e a visão turva, balbuciando (quase emudecidamente) um solilóquio intranquilo e desconhecido. E então decidi deixar aquela "tristeza" ali, abandoná-la desta vez e por todas naquele canto perto da parede, na semiescuridão de um corredor vazio, para me levantar e desta vez, ir embora eu.

Gabriel Sacramento Filho
Enviado por Gabriel Sacramento Filho em 15/07/2016
Código do texto: T5698978
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