Naufrágio no Mar Morto

NAUFRÁGIO NO MAR MORTO

Se esse relógio no pulso

não pesasse tanto,

eu teria tempo

para estar atrasado.

Eu não perderia tempo

fazendo coisas as quais

eu não sei o porquê de fazê-las.

Se eu quebrasse esse grilhão,

não andaria distraído pelas ruas

caóticas, e seria consciente de

que a cada segundo morre

uma parte exausta de mim.

Eu não fecharia os olhos,

nem permanceria parado

em frente ao espelho,

à espera de um abraço.

Não, essa frustração

não me alcançaria.

Eu me sentaria em colinas

livres do concreto e de homens concretos

e, ociosamente, assistiria ao espetáculo

da vida em sua essência.

Observaria os passarinhos.

E, despreocupadamente, diria ao mundo

que meu ritmo é muito além

do que alguns chamariam de básico.

Livrar-me-ia de certos finais trágicos.

Finais certos,

previsíveis, programáveis.

Se eu não sentisse essa obrigação de viver,

acharia uma maneira menos complexa,

menos decepcionante, menos superficial,

de relacionar-me comigo mesmo.

Não criaria expectativa sobre nada,

e entenderia o motivo do meu suor.

É, meu suor vai além

do que me disseram que iria.

O meu sangue vale menos

do que eu acreditava que valia.

O meu dia-a-dia infere

mais coisa do que a poesia.

Se eu pudesse desacelerar um pouco,

eu desistiria do carro e iria de trem

Junto com outros olhares

de pessoas estranhas – pessoas amigas.

Acontece que quando vou para o metrô,

minha espera é vã. Não existe trem.

E se alguém me disser que o mundo

não é feito de suposições,

eu iria supor que eu estivesse errado.

Aí então, o relógio continuaria a pesar,

com astuciosa harmonia,

enquanto os dias passariam,

os homens passariam,

o amor passaria,

o ódio passaria,

a poesia passaria.

Quanto tempo falta

para que não falte tempo?

Quem sabe até inventem relógio para passarinho...

Aí sim!

Tudo estaria no tempo dos homens: o tempo certo.

João Guilherme Magalhães Monteiro de Almeida
Enviado por João Guilherme Magalhães Monteiro de Almeida em 19/07/2007
Código do texto: T571190