TANGENDO A VIDA.

Saí andando a vontade

Subi e desci ladeira

Sai cedo voltei tarde

Corri a terra inteira

Do agreste ao litoral

Do campo a capital

Em todo canto passei

Pra ver o povo vivendo

E tudo que eu fui vendo

Muita beleza achei.

Com certeza o litoral

Dá gosto de olhar

Lá tem alto coqueiral

E os mistérios do mar

Onde a bela sereia

Lança por cima da areia

Um riso encantador

Mas porem cheio de ilusão

Que leva o coração

E a alma do pescador.

A brisa sopra um frescor

Com cheiro de maresia

As ondas vem com vigor

Batendo na pedra fria

Cobrindo todos os corais

E os respingos de sais

Temperam tudo por lá

Salgando em doses amenas

O balançar das morenas

Da ilha de itamaracá.

Bonito é ver o agreste

Que colhendo se arranca

Uma maniva silvestre

De dentro da areia branca

Depois de raspada todinha

É transformada em farinha

E goma pra tapioca

Feita em um fogareiro

Vendidas num tabuleiro

Com bolo de mandioca.

O agreste foi o meu berço

Foi meu quintal na infância

Por isto a este endereço

Eu devo toda importância

Lá eu vi nas colinas

Águas tão cristalinas

Onde bebiam os anuis

Lá cantou os passarinhos

Guando nasceu Dominguinhos

Nas terras de Garanhuns.

Depois eu desci a serra

Me despedi do arraial

Eu fui olhar outra terra

Pra o lado da capital

Lá foi tantas as folias

Que brinquei uns três dias

Pra aumentar meu cacife

Pulando em passo constante

Eu me virei num brincante

No frevo lá do Recife.

Cidade bela e guerreira

De todos os horizontes

É a Veneza brasileira

Cortada por muitas pontes

João Cabral de Melo Neto

Foi um poeta completo

De onde a fonte não seca

Lá eu vi e escutei

O martírio de um frei

Joaquim do Amor Caneca.

Com as horas passando

Eu fui a zona da mata

Eu vi guerreiros dançando

Com uns chocalhos de lata

Como se fossem um zebu

Mas era o maracatu

Com seu encanto de dança

Nascida do canavial

Colorindo o carnaval

Com seus caboclos de lança.

Sai tocando em frente

Continuando a jornada

Em baixo de um sol quente

Senti a pele queimada

Estava em outro chão

Tinha chegado ao sertão

Como um valente touro

Sertão de uma fé guerreira

Onde tem mulher rendeira

E homens que vestem couro.

Vi a bravura rosnando

Nos versos de Marcolino

Eu vi a vida vibrando

No peito do nordestino

Ouvi histórias de artistas

Contadas por cordelistas

Na sombra de um angico

Bati o pé na poeira

Dançando a noite inteira

As margens do São Francisco.

Por lá deixei um verso

Como lembrança singela

O sertão é um universo

A entrada é uma cancela

Onde só é governado

Pelas leis do sagrado

De onde o cometa decola

O poeta é o astro quente

Cantando o seu repente

Nas cordas de uma viola.

Eu vi que já era hora

De fazer meu regresso

Por esse mundão a fora

Eu vi com muito sucesso

O povo e a bravura

Com sua arte e cultura

De uma beleza sem par

Vivendo uma vida mansa

Onde a pureza descansa

E onde a paz vem morar.

Me despedi com saudades

Peguei o rumo de volta

Passei por campos e cidades

Tudo que vi me conforta

De tanto andar por aí

Voltei de onde sai

Que é meu pobre cercado

Aonde eu passo vivendo

Porem o que eu fui vendo

Fiquei emocionado.

Voltando pra meu cantinho

De longe eu fui ouvindo

Correndo pelo caminho

O meu cachorro latindo

Despertando do seu sono

Correndo para o seu dono

Num entusiasmo sincero

Na sua pura alegria

Parece que me dizia

"Faz tempo que te espero"

Pulando em cima de mim

Como um imã que atrai

Brincamos sobre o capim

Igual a um filho com o pai

Ele chorava latindo

Então ali fui sentindo

O aconchego do abrigo

Enquanto sultão me lambia

Uma lágrima em mim vertia

Abraçado a meu amigo.

Ebenézer Lopes
Enviado por Ebenézer Lopes em 29/09/2016
Código do texto: T5776766
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