Véspera de aniversário
é preciso que eu saia de meus lençóis
e vá para a friagem dos ventos alheios a meu corpo
quente.
é preciso que eu me resfrie lá fora
e tome em meu rosto, poeira
para nunca mais
perder meu pai
perder minha mãe
e as bênçãos que eles me dão.
é preciso que eu fure os dois olhos,
é preciso que me cortem a língua
para que eu continue
viva.
eu espero que me perdoem por não saber
encenar alegremente
esta peça.
hoje decidi que estarei sempre disposta
a abrir as grades que me mantêm presa
ao que não posso estar atida.
hoje decidi que por toda minha vida
darei gargalhadas
após cada choro vão
e começo a me preocupar porque acho
que perderei o drama de minha existência:
serão muitas gargalhadas, então.
muito em breve farei vinte e um anos
e o que sou?
não passo de uma criança
aquela mesma criança
que, por timidez, se calou durante as dúvidas na aula
e em casa aprendeu sozinha tudo que podia sugar dos livros.
muito em breve serão mais de vinte novembros de vida
e o que eu sou?
esse escorpião que mete em seu corpo exoesquelético
o próprio ferrão,
que abdica da vida
por orgulho,
por querer controlar
fluxos inconcebíveis
em si.