Verme

Mais um dia de sua existência abjeta, ele senta-se pomposamente em seu largo banco à espera da morte que o convoca.

Aproveita seus infortúnios e transforma-os em um manto protetor que blinda sua consciência de sua própria vileza.

Abre mais uma garrafa, acende mais um cigarro, vive mais um dia.

Aceita com franqueza sua frivolidade, afundando-se em um niilismo barato para justificar sua insignificância.

Destrói a si e ao que o cerca, espalha-se como lepra, enegrece tudo o que toca, como um Midas da desgraça.

Ele sorri com perversidade.

Excita-se com as catástrofes, diverte-se ao imaginar-se o grande maestro da calamidade.

Mais um dia, mais um dia. Acorda, dorme, suja, suja.

Ele está no ar, ele está no solo, está nas paredes e no teto.

Pragueja violentamente enquanto vomita bile e rancor.

“Mamãe!” ele grita em desespero.

Ela o socorre. Ele a despreza.

Mais um mês, mais um ano.

Ele se apaixona, ela retribui.

Perde a paciência, e então a espanca enquanto ninguém pode ouvir. Ela chora baixinho e arrepende-se de tê-lo conhecido.

Ela se vai, ele permanece. Bebe mais uma garrafa.

Mais um dia, menos um dia.

Teme como uma garota indefesa, arrepende-se de tudo.

Faz tudo novamente.

Mais um gole resolverá! Mais um gole resolverá!

Rafael Gonçalves
Enviado por Rafael Gonçalves em 23/01/2017
Reeditado em 05/05/2017
Código do texto: T5890833
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