O perdedor

Não possuo o menor interesse em vencer na vida. Não desejo ganhar ou perder de ninguém, quero apenas viver, se possível, com alguma paz. Ocorre que vivendo nesse mundo você acaba naturalmente sendo impulsionado a participar e as opções de atuação quase sempre infringem violentamente seus reais anseios e aptidões. Algo como exigir que um cão se comporte e atue como um gato. É uma agressão. Você tenta a todo custo se moldar pra caber nessa engrenagem pois sem ela és tido como louco, burro, um vagabundo fracassado. Muitos adentram a engrenagem, a maioria, e uma vez dentro, fim. Não há retorno. A humanidade terrena está presa há incontáveis vidas nessa maquinaria. Quanto a mim? Tudo indica que sou peça avulsa isenta de encaixe. Sim. Talvez seja cruel, mas talvez seja um céu. Não foi por falta de tentativas. Processos seletivos, ceias de natal, lojas americanas, despertador ás 06:00 am, ônibus lotado, piadas toscas em tardes infindas enclausurado num triste escritório abafado, cabelo curto, barba feita. Fiz tudo isso. E no entanto, cá estou. Sem um centavo, vivendo como uma espécie de eremita moderno, escrevendo diariamente pra escapar dos sanatórios, e ainda assim possuo viva a rara habilidade de sorrir disso tudo. Sorrir dos impostos, políticos, miséria, assaltos, escolas, empregos, pessoas normais, mortes e suas mais variadas manifestações. Sorrir desse absurdo desvairado que virou a vida humana. E principalmente, sorrir de mim mesmo.

Cristiano Corrêa
Enviado por Cristiano Corrêa em 09/03/2017
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