Saara

Tudo é tão estranho. Tudo é tão instável. Bom, estou vivo, tenho dois pés e eles caminham, e as pessoas também tem pés, e olhos, e embora a maioria esqueça, elas também sonham. A cidade lembra um deserto cujo os camelos somos nós, as dunas são os prédios, e as miragens, nossos sonhos. Olha lá! Ele é aviador, o outro é advogado, aquele é engenheiro, meu filho é diplomata. O erro é achar não serem mais que espíritos. Quanto a mim? rezo pra alguma bala perdida entrar bem no crânio. Bem no meu crânio. A alma quer sair. Sim. Sei que isso é radical. Talvez eu finalmente esteja aprendendo com o mundo, entendendo e aprendendo a ser o bruto que eles são. Me equilibro nos relevos das calçadas, sinto o imponderável da existência térrea. Vidas derretendo em puro nada. Um capricho é capaz de alimentar ou matar um corpo. Principalmente se esse corpo for tachado de classe c ou classe média baixa. Ao amanhecer, em preces, rogando à Deus um dia suportável, os caprichos talvez deem trégua. Há tantas bocas pra comer que não se pode dar ao luxo de existir perante as flutuações alheias. Quanto a essa gente? Entrego-as nas mãos de forças celestiais.

Cristiano Corrêa
Enviado por Cristiano Corrêa em 11/03/2017
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