a canção tem fome de oceano
Meu canto nada cria, tampouco perde.
Emendando coisa e coisa, é peixe que nada enquanto come.
Meu canto é nado em água fria. Come planctons, algas, corais.
Tudo me consome.
O canavial, a construção, ondas do mar.
A lição da pedra muda é canção perfeita.
Meu canto é a praia ordenada, a faca afiada e o sonho desfeito.
Na madrugada, meu canto não é alegria nem pranto
trama imaginada, face esquecida, lembrança desfigurada.
Se invento ou se recordo não há diferença,
pois que navego no reverso do canto.
Tenho nas estrelas olhos de navegante, trago-as tatuadas no peito.
As estrelas regulam o movimento e dá ritmo ao percurso na luz.
Meu canto reverbera na carne macia do vento.
Mas se tal conforto não encontro, sem um porto invento ilha,
lanço âncora, revejo a rota e mudo de ilha em ilha
remendando à favor do vento canta novo canto o meu canto.
De ilha em ilha, verso a verso: a palavra fugidia mergulhada
na vastidão inquieta e fria ora é isca viva ora sorrateira
em mim algo fisga.
Assim é que no caminho me encontro, sou o meu próprio canto.
Não posso parar, a canção tem fome de oceano.
*
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Baltazar