a canção tem fome de oceano

Meu canto nada cria, tampouco perde.

Emendando coisa e coisa, é peixe que nada enquanto come.

Meu canto é nado em água fria. Come planctons, algas, corais.

Tudo me consome.

O canavial, a construção, ondas do mar.

A lição da pedra muda é canção perfeita.

Meu canto é a praia ordenada, a faca afiada e o sonho desfeito.

Na madrugada, meu canto não é alegria nem pranto

trama imaginada, face esquecida, lembrança desfigurada.

Se invento ou se recordo não há diferença,

pois que navego no reverso do canto.

Tenho nas estrelas olhos de navegante, trago-as tatuadas no peito.

As estrelas regulam o movimento e dá ritmo ao percurso na luz.

Meu canto reverbera na carne macia do vento.

Mas se tal conforto não encontro, sem um porto invento ilha,

lanço âncora, revejo a rota e mudo de ilha em ilha

remendando à favor do vento canta novo canto o meu canto.

De ilha em ilha, verso a verso: a palavra fugidia mergulhada

na vastidão inquieta e fria ora é isca viva ora sorrateira

em mim algo fisga.

Assim é que no caminho me encontro, sou o meu próprio canto.

Não posso parar, a canção tem fome de oceano.

*

*

Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 08/07/2017
Reeditado em 24/01/2018
Código do texto: T6048940
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