Para isso fomos feitos

Para natais em agosto

E primaveras nas tardes de maio

Para dormir queimando em brasa

E acordar sob chuva fina alimentando o dia

Para o colo enraizado das árvores

Para a benção madrugal da lua

E o sol nascente nos rios e encostas

Onde a vida acena certeira para a morte

Para banho de cachoeira nos olhos

Para a música atravessada de pele

Por isso tantos e tão infinitos poros

Abrindo os cômodos qual estrada nova

Para um céu vestido de borboletas

Um dia que seja avoar o corpo fora das asas

E pelas nuvens, o desenho das nuvens

No olhar apaixonado e calmo das crianças

Para o milagre dos abraços-ninhos

O quentume do beijo a derreter o frio

A maternidade das sementes; o sêmen

Da poesia umide(s)endo os úteros da vida

Para mirar a primeira flor do dia; talvez sê-la

Aprender com as formigas coisas de rastro

e chão; Ser chão e manjedoura de folhas

E sentir o fogo, o mesmo por vir em cinzas

Para um dia que seja azul; um dia que seja

De amor intenso como um poema de Vinicius

A mudar o curso do universo; um verso, quiçá

lido num rosto amado; Para isso fomos feitos.